Um programa em Cubatão vai tirar 20 mil pessoas de uma 'área de reserva ambiental'. Cinco mil famílias serão removidas. A intenção é 'recuperar a Mata Atlântica'. Para onde vão os moradores?
Antero Preciliano de Souza, de 84 anos, é personagem de uma história que está chegando ao fim: a dos bairros-cota, encravados na Serra do Mar, no litoral de São Paulo assim chamados por serem denominados de acordo com a altitude média da área - em metros - em relação ao nível do mar: cota 100, cota 200, cota 400)
Antero deixou Minas Gerais aos 16 anos com os pais e oito irmãos. Trabalhou na lavoura em cidades do interior até ser convidado a participar de um dos mais ousados empreendimentos da construção civil da época. Era o ano de 1945, e o cunhado de Antero agenciava operários para a construção da Rodovia Anchieta, estrada que liga a cidade de São Paulo ao litoral do Estado. “No mesmo dia do fim da Segunda Guerra Mundial, eu disse a meu patrão que ia pegar o primeiro ônibus para Cubatão (no litoral)”, afirma. O Departamento de Estradas e Rodagens (DER) forneceu material para que Antero construísse um barracão de madeira e se abrigasse até o fim das obras. Cinco filhos, dez netos e 62 anos mais tarde, amontoados de barracões perdidos na mata se transformaram nos bairros Cota e em outros núcleos habitacionais com os nomes de Pinhal do Miranda, Sítio dos Queirozes e Água Fria.
Os núcleos cresceram com a mão-de-obra atraída pelo pólo industrial de Cubatão, onde estão instaladas empresas gigantescas como a siderúrgica Cosipa e uma refinaria da Petrobras. Hoje, abrigam cerca de 30 mil pessoas. Elas vivem dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, uma área de reserva de Mata Atlântica. Os moradores usam a água de nascentes, conseguem energia elétrica fazendo ligações clandestinas e despejam esgoto no Rio Cubatão, que corre ao pé da serra e abastece 80% do consumo de água daquele trecho do litoral paulista. As ocupações irregulares existem há 31 anos, desde que o parque foi criado, e muitas estão em áreas de risco. Um projeto do governo do Estado de São Paulo pretende, finalmente, mudar esse quadro.
O plano é remover do parque 5.200 famílias (cerca de 20 mil pessoas) e reflorestar a área ocupada por elas. O governo vai urbanizar os bairros onde vivem outras 10 mil pessoas que continuarão na serra, mas numa região fora da reserva ambiental. A remoção das 5 mil famílias equivale à construção de uma nova cidade – de acordo com o IBGE, 71% dos municípios brasileiros têm até 20 mil habitantes.
O projeto da Serra do Mar tem dimensões inéditas para programas com fins ambientais. Projetos semelhantes executados no Brasil ainda não haviam removido mais que duas centenas de famílias.
“O projeto do governo de São Paulo é extremamente importante e inovador, especialmente por sua escala. Não há nada parecido no Brasil”, afirma Rui Rocha, secretário-executivo da ONG Floresta Viva, entidade que se dedica a um projeto semelhante na Bahia. “Se o projeto der certo, pode servir de modelo para outras áreas, como as encostas de áreas protegidas no Rio de Janeiro”, afirma Márcia Hirota, diretora da ONG SOS Mata Atlântica.
O Parque Estadual da Serra do Mar é a maior área contínua de Mata Atlântica preservada existente no Brasil. Hoje o país conserva apenas 10% da floresta que originalmente cobria o litoral do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. O parque tem 315.000 hectares espalhados pelo território de 28 municípios paulistas e se estende do litoral sul de São Paulo à divisa com o Estado do Rio de Janeiro.
Em sua primeira etapa, o projeto de remoção das famílias do parque procurou evitar mais ocupações. Desde abril de 2007, novas construções e extensões das antigas – os “puxadinhos” – foram proibidas, e a polícia passou a autuar quem desrespeitasse a lei.
“Não adianta só falar em preservar”, afirma Francisco Graziano Neto, secretário de Meio Ambiente de São Paulo. “O problema ambiental é um problema de polícia.”
O governo do Estado deslocou 76 homens da polícia ambiental para vigiar a área dos bairros Cota por 24 horas. O alvo eram as construções irregulares, mas os policiais descobriram também outros tipos de crime. Em dezembro, flagraram um laboratório de refino de cocaína.
Estancada a ocupação, vem a parte mais delicada: a retirada dos moradores. Há duas semanas, foi concluída a licitação do primeiro conjunto habitacional, com 1.800 moradias, que ficará perto de Cubatão. Segundo o secretário de Habitação, Lair Alberto Krähenbühl, a remoção completa deverá acontecer até 2010. O investimento, de R$ 340 milhões, será rateado entre o governo federal, o governo do Estado de São Paulo e a empresa Ecovias, concessionária da Rodovia dos Imigrantes, outra estrada que liga São Paulo ao litoral. As famílias vão pagar cerca de 15% de sua renda pelas moradias.
A confusão natural da mudança foi amplificada pelo oportunismo político. Candidatos a prefeito e a vereador de Cubatão começaram a aparecer para prometer indenizações aos moradores. O problema é que eles não têm direito à reparação, porque não possuem título de propriedade, afirma o advogado Luiz Arthur Caselli Guimarães Filho, especialista em desapropriações. Muitos moradores não sabem disso. E se queixam da falta de orientação do coordenador do projeto, o ex-coronel da PM Elizeu Eclair Teixeira Borges, que dizem ser rude e autoritário.
“Eu sou firme, mas mal-educado nunca fui”, diz Eclair.
Há um mês, os moradores começaram a se organizar. “Formamos uma comissão com representantes de todos os bairros para falar com o governo. Não queremos políticos no meio”, afirma Evaristo Vieira Neto, presidente de uma associação de moradores local.
Remover os objetivos eleitorais pode ajudar a encontrar uma solução que contemple tanto os interesses dos moradores. Mas a comunidade que criaram estará condenada se nã houver reação ao despejo.
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