Ao longo de 20 km da Anchieta, não houve nenhuma retirada, dois anos após anúncio de programa estadual
Dois anos após o governo estadual lançar um ambicioso programa para remover 5.350 famílias de áreas de risco da Serra do Mar, nenhum barraco foi desocupado. Ao longo de 20 quilômetros da Via Anchieta, há cerca de 15 mil pessoas que ainda moram em habitações precárias nos bairros-cota, como são chamadas as ocupações acima do nível do mar. O "Programa de Revitalização da Serra do Mar", orçado em mais de R$ 700 milhões, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi anunciado em junho de 2007.
O atraso nas remoções, segundo o governo, ocorreu após a Justiça suspender por sete meses, entre dezembro e junho, as licitações para a construção de 1.800 moradias no Jardim Casqueiro, em Cubatão. Nos conjuntos serão realocadas as famílias em áreas com maior risco de deslizamentos. A Secretaria de Estado da Habitação também argumenta ter de definir outros conjuntos no litoral, semiprontos e financiados pela Caixa Econômica Federal, para onde outra parte dos moradores será transferida.
"Houve um hiato por causa do problema jurídico. As primeiras remoções devem ocorrer agora no início de 2010", afirmou ao Estado o secretário de Estado da Habitação, Lair Krähenbühl.
A previsão dada pelo secretário há exatos dois anos era de que até o fim de 2009 as famílias seriam transferidas.
"Houve o congelamento das áreas, mas a meta de retirar todos os barracos talvez não deva ser cumprida ainda nesta gestão, como havíamos programado", admitiu Xico Graziano, titular do Meio Ambiente.
Para centenas de moradores das invasões, a situação não evoluiu desde a demarcação dos imóveis, em 2007. As chuvas são ameaças constantes, principalmente para as cerca de 700 famílias que moram nas encostas à beira da rodovia. No dia 18 de março, por exemplo, um deslizamento engoliu três casas no Grotão, uma área de risco na Cota 95/100. Nas últimas duas décadas, dez pessoas morreram em deslizamentos na serra. Atropelamentos de pedestres na Anchieta também são frequentes, segundo lideranças comunitárias.
"Moramos em um bairro condenado, que não pode receber melhorias, mas ninguém sabe para onde e quando vamos sair. Vieram aqui e falaram que o bairro iria sumir em um ano. Agora, nem recebemos notícia. Estou aqui há 25 anos e foram várias as promessas de remoção. Agora nem quero mais sair", afirma o comerciante Roseno de Abreu, de 55 anos, morador da Cota 400.
A ocupação, prevista para sumir meio século depois da construção dos primeiros barracos, foi erguida por migrantes que trabalharam nas obras da Via Anchieta, no fim dos anos 50.
FLAGELO
Nos quatro bairros-cota e em três favelas da serra já quase próximas do mangue, entre o km 48 e o km 28 da Anchieta, moram 7.660 famílias (cerca de 30 mil pessoas). Desse total, 2.310 famílias vão ficar em áreas que serão urbanizadas nas Cotas 200 e 95/100. A situação de flagelo das pessoas que se aglomeraram nas invasões ao lado da estrada inclui também inundações constantes de córregos carregados de lixo e a presença de cobras e aranhas. Lotações para Cubatão e Santos, onde os jovens estudam e a maior parte dos homens trabalha, são poucas e costumam passar de hora em hora.
A "vantagem" é o custo zero com água, energia e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Nas Cotas 400 e 500, por exemplo, um emaranhado de canos busca em cachoeiras dentro do Parque Estadual da Serra do Mar a água gratuita usada pela população. A energia elétrica também vem de "gatos" arrastados para dentro de vielas, que percorrem 3 quilômetros até a área urbanizada de Cubatão mais próxima.
"Se for para sair daqui e ter de pagar água e luz, eu quero ficar. Não vou sair para ter custo extra", diz o aposentado José Tavares da Silva, de 51 anos, que há 22 anos mora com a mulher e os 13 filhos em uma casa de quatro cômodos na Cota 95.
Apesar de morar ao lado de um córrego contaminado com lixo, Silva não quer sair.
"Só saio se me derem dinheiro para eu voltar para João Pessoa", resumiu. A vizinha, a dona de casa Andrea da Silva, de 29 anos, com quatro filhos, também diz que não sai se tiver de pagar luz. "Fora a prestação cara da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), não tenho R$ 100 por mês para fazer financiamento", reclama.
Já quem afirma querer sair para os conjuntos habitacionais diz não ter informações sobre a remoção.
"Aqui tudo é longe. Ônibus para Cubatão é raro. Eu queria ir para os apartamentos, mas ninguém nunca mais tocou no assunto. Com certeza vou ficar aqui mais vários anos", lamenta a doméstica Maria Helena dos Santos, de 32 anos, moradora da Cota 500.
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