sábado, 10 de outubro de 2009

Os bairros-cota de Cubatão e o alegado 'programa de recuperação sócio-ambiental da Serra do Mar'

Em Cubatão, município a 57 quilômetros da capital, o número de casas e barracos que ocupam a encosta e o sopé da Serra do Mar, área conhecida como bairros-cota, aumentou 63% nos últimos cinco anos. Hoje as comunidades da Serra do Mar abrigam 30 mil pessoas. Nos bairros-cota de Cubatão, o número de barracos subiu mais de 60% de 2002 a 2007, segundo cadastramento da CDHU.

Segundo cadastro concluído no fim de 2007 pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), há 7.694 moradias nas áreas de Água Fria, Pilões (ambas ao longo do Rio Cubatão, pé da serra), Cota 95/100, Cota 200, Cota 400 e Cota 500, ao longo da via Anchieta. Cada cota indica a altitude em relação ao nível do mar. O cadastro é parte do programa de recuperação sócio-ambiental do Parque Estadual da Serra do Mar.

Como há quatro moradores por casa, em média, os barracos da região abrigam hoje cerca de 30 mil pessoas. “Nos domicílios, há também cerca de 5% a mais de famílias co-habitantes. É mais preciso falar em domicílios do que em número de pessoas”, diz o arquiteto Luís Augusto Kehl, da CDHU.

Em 2002, ano do último censo da prefeitura local e da entrega da segunda pista da Imigrantes, eram 4.711 barracos nas áreas ocupadas da Serra do Mar, unidade de conservação em que nada se pode tirar, exceto para estudos científicos.

A maior favela

A ocupação da Serra do Mar começou nos anos 1940, em acampamentos de operários que iniciaram a construção da via Anchieta. A população se adensou a cada nova estrada.

“Cubatão é a área mais complexa de ocupação do parque. No sistema Anchieta-Imigrante, as casas ficam ao largo da rodovia”, explica Rubens Lara, diretor da Agência Metropolitana da Baixada Santista. “Agora, as obras estão congeladas e isso está sendo respeitado. Só famílias cadastradas terão direito à moradia.”

Quando lançou o programa de recuperação, há um ano, o governo estadual afirmou que um dos objetivos era frear o que poderia se tornar a maior favela do Brasil, o que ocorreria se todos os núcleos populacionais se interligassem. A meta é a remoção de cerca de 70% das moradias da serra.

O restante ficará em áreas que serão urbanizadas, nas Cotas 200 e 95. Serão retiradas todas as 2.430 casas do pé da serra. O governo diz que planeja entregar, em Cubatão, 3.820 unidades habitacionais no segundo semestre de 2009, que deveriam ter sido licitadas até março. As moradias — apartamentos ou sobrados — são exclusivas para o atendimento da população da serra e se juntarão a outras 800 unidades reservadas em outras cidades da Baixada Santista.

Ajuda da polícia

O Secretário estadual da Habitação, Lair Krähenbühl, evita dimensionar o crescimento populacional desta década. Para ele, a CDHU chegou a locais não desbravados em censos anteriores e, portanto, registrou moradias antigas que ficaram à margem de outras contagens.

“Pesquisamos barraco por barraco. Em alguns lugares, o censo só conseguiu entrar porque estava a polícia junto”, diz o secretário. “Foi um equívoco deixarem as coisas acontecerem no passado. Isso começou a se agravar desde 1970.”

Em setembro, a Justiça condenou estado e prefeitura a desocuparem as cotas e fixou prazo de um ano para a remoção de todas moradias da serra. Em meio à vegetação de Mata Atlântica, as famílias da região vivem de forma precária, com “gatos” de luz e água, desviada de cachoeiras, e sob risco de deslizamentos. Não há tratamento de esgoto, os serviços básicos são limitados e a coleta de lixo é feita em caçambas.

‘Se sair, vendo e volto para cá’

Quando chegou a Cubatão, em 1998, o pernambucano José Carlos Ramos, de 39 anos, dividiu apartamento com o irmão. Para fugir do aluguel e das contas a pagar, subiu a serra. Morador da Cota 95/100, comprou na época um barraco de madeira por R$ 2.200. Há quatro anos, vendeu a habitação para erguer uma casa de alvenaria em uma área do Parque Estadual da Serra do Mar que já havia sido desocupada nos anos 1990.

“Se me tirassem daqui, venderia o apartamento lá e voltaria para comprar um barraco aqui outra vez”, diz José Carlos, que trabalha como motorista na Cosipa de Cubatão e hoje dá abrigo a um conterrâneo recém-chegado.

José Carlos faz parte do grupo que ocupou a serra mais recentemente, atraído pela informalidade de não pagar imposto ao município nem arcar com o consumo de luz e água, retirada de cachoeiras da serra. Filha de um trabalhador que ajudou a construir a Rodovia Anchieta, cujos acampamentos deram origem às cotas, Ivani de Souza Domingos, de 45 anos, está no grupo dos mais antigos. E resistentes também.

O sobrado que construía na Cota 400 para abrigar o marido e os dois filhos foi “congelado”. Desde abril, estão proibidas novas obras na serra, embora existam lojas de material de construção nos bairros-cota.

“Falam que a gente está no terreno do vizinho, que agora quer de volta. Mas não foi isso que falaram quando meu pai chegou. Deram até tijolinho.”

Para conscientizar a população, foram realizadas cerca de 50 reuniões com a comunidade no ano passado, processo que segue em 2008 e, aos poucos, conquista a confiança de parte das cotas.

“Quero sair. Acho que seria melhor para a minha família”, diz Vanessa dos Santos, de 27 anos, que mora na Cota 200.

“Eu sairia. Trabalho em Cubatão e o transporte é caótico aqui, na beira da pista. Não tenho nem a opção da bicicleta”, afirma o operador Edson Rodrigues, de 27 anos.

Época eleitoral preocupa gestor

A entrada do ano eleitoral ligou o sinal de alerta para os coordenadores do programa de recuperação da Serra do Mar.

“Ao longo da história, houve incentivo de ocupações em troca de apoio, voto. Isso é um problema”, afirma Rubens Lara, presidente da Agência Metropolitana da Baixada Santista e coordenador do programa. “Candidatos que têm base de sustentação lá ou outros que querem fazer média podem falar ‘não saia, fique aí, estamos fazendo melhoria.’ Por isso, trabalhamos muito com conversas e o congelamento (de casas), até agora, é um sucesso.”

Diretor da Fundação S.O.S Mata Atlântica, Mário Mantovani quer o fim dos seis comércios de material de construção das cotas e alerta para o caráter “devastador” das eleições.

“Candidato a candidato a qualquer coisa bota uma família nesse morro na época de eleição ou doa carro com material de construção para essas famílias. Essa é a época mais perversa para a serra”, diz.

Atualmente, dois dos 11 vereadores locais moram nas cotas, região em que estão cerca de 25% dos habitantes de Cubatão. A cidade tem cerca de 120 mil pessoas, segundo dados de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Severino Ferreira da Silva, o Bill, de 55 anos, já está em campanha para vereador. Uma das lideranças da Cota 200, Bill mora na encosta da serra desde 1979 e é dono de uma loja de material de construção.

“O governo coloca a gente como invasor que chegou ontem. Chegamos há 50 anos”, discursa.

O Ministério Público acompanha o programa de recuperação da serra com atenção especial aos políticos locais.

“Perto das cotas, há uma favela que nasceu a partir de uma promessa de um candidato”, diz a promotora Liliane Ferreira. Secretário municipal de Obras, Raul Borin Júnior admite o problema. E apóia a investida estadual. “É um projeto imprescindível, que envolve também regularização fundiária.”

Remoções superam oferta de moradias

• Total de moradias na encosta e na base da Serra do Mar (incluindo região chamada Sítio dos Queirozes): 7.835

• Remoções previstas: 5.405(o restante vai permanecer em área que será urbanizada)

• Oferta em Cubatão de unidades habitacionais:3.820

• Oferta de moradias em outras cidades da Baixada:800

• Déficit não equacionado (moradias que vão faltar) : 785

Total do investimento: R$ 338 milhões (71% do Estado, o resto de outras fontes)

Como se pode ver, a conta não fecha. Tudo isso é amor à Natureza 50 anos atrasado, ou temor de um bairro proletário montado numa via economicamente estratégica?

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